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Past, Present, Neo, translated

Passado, Presente e Neo


Originally published in English as “Past, Present, and Neo,” in Humanistic Perspectives in a Technological World, ed. R. Utz, 2014; translation by Luiz Felipe Anchieta Guerra, PPGH - UFMG


O passado nunca está morto. Ele nem sequer é passado.

William Faulkner


Cypher: O que aconteceu?

Neo: Um gato preto passou por nós, e em seguida passou outro igual.

Cypher: Tem certeza que era o mesmo gato?

Neo: Pode ter sido, eu não tenho certeza.

Matrix (1999)


À primeira vista, poucas cidades poderiam ter menos ligações com a Idade Média do que Atlanta. Fundada em 1837 para fornecer um terminal que conectasse o porto de Savannah com o Centro-Oeste, e cerca de 3.500 milhas e 400 anos distante da Velha Europa, a capital da Geórgia parece ser quintessencialmente moderna. No entanto, uma atenta visitante de primeira viagem pode notar toda uma série sinais medievais:

Na esteira de bagagens do aeroporto, uma tela colorida a convida a ser "varrida para uma era de bravura e honra" e participar de "um banquete para os olhos e apetite com todo o esplendor e romance" da Espanha medieval no Castelo de Atlanta do Medieval Times, uma franquia de casas jantar. Uma van de cortesia, que a trata como se fosse uma nobre dama de uma corte medieval, a leva para seu hotel no centro da cidade, o Knights Inn [“A Taverna do Cavaleiro”]. Depois de trocar de roupa, ela pega um táxi para a Catedral Católica do Cristo Rei, onde ela assiste ao casamento de sua colega de quarto da faculdade, que inclui a celebração da Eucaristia, um ritual sacramental originado na decisão do Quarto Concílio de Latrão sobre a transubstanciação em 1215. Ela fica especialmente impressionada com a performance dos membros da Atlanta Early Music Alliance [Aliança de Músicas Antigas de Atlanta], que executam músicas de casamento anteriores a 1800, acompanhadas por instrumentos feitos de acordo com as instruções de construção medievais e pré-modernas [early modern]. Na saída da igreja, uma guarda de honra dos Cavaleiros de Colombo cumprimenta os convidados que são, então, levados de ônibus para a recepção do casamento no Rhodes Hall, na Peachtree Street. Lá, nossa visitante admira a arquitetura neorromana vitoriana e assiste ao fotógrafo tirar fotos dos recém-casados diante de um cenário de vitrais representando a ascensão e a queda dos Estados Confederados, e uma galeria de generais com aparência de santos. Seu dia continua com uma visita guiada, à tarde, na Casa de Margaret Mitchell, organizada pelo cerimonial para alguns convidados que não são de Atlanta. O guia termina sua narrativa da biografia de Mitchell informando ao público como ela foi morta por um carro em alta velocidade na rua Peachtree, em 1949. Ela estava a caminho do cinema para assistir A Canterbury Tale, um filme de guerra britânico vagamente relacionado com os Contos da Cantuária [Canterbury Tales], do final do século XIV, de Geoffrey Chaucer. Inspirada pela história da vida de Mitchell, nossa visitante termina seu dia alugando a versão cinematográfica de ...E o Vento Levou [Gone with the Wind], de David O. Selznick, em seu quarto de hotel. Ela adormece pouco depois assimilar o famoso prefácio introdutório: “Existia uma terra de Cavalheiros e campos de algodão chamada Velho Sul. Aqui, neste belo mundo, a galanteria fez sua última reverência. Foi o último lugar em que se viu Cavaleiros e suas belas donzelas, senhores e escravos. Procure-a apenas nos livros, pois hoje ela não passa de um sonho relembrado, uma civilização que o vento levou...”[1].


Quando compartilho essa narrativa, obviamente ficcional, com meus alunos, eles rapidamente descobrem, pesquisam e identificam dúzias de outros exemplos de como indivíduos, grupos, corporações e nações recriaram, reencenaram e reinventaram o passado medieval para transmitirem suas mensagens pós-medievais na arte, arquitetura, entretenimento, literatura, política, raça, religião e esportes. Eles logo notam que, enquanto praticamente todas essas formas mais antigas de “medievalismo” empregam algum tipo de tecnologia e prática científica para representar o que sabemos sobre a “verdadeira” Idade Média, agora também parece existir um novo e diferente tipo de conexão com a cultura medieval, relacionada às maneiras pelas quais várias novas mídias permitem representações até agora desconhecidas do espaço, da história e do tempo.


Frequentemente, essas narrativas recentes, com as quais meus alunos tendem a ser mais familiarizados do que eu, não fazem mais nenhuma tentativa séria de atentar àquilo que os estudiosos estabeleceram sobre a “verdadeira” Idade Média. De fato, histórias neomedievalistas (Coração de Cavaleiro [A Knights Tale]; Arcanum; Guilda; Skyrim; Medieval: Total War; World of Warcraft) se contentam em criar mundos pseudo-medievais que obliteram a história, a autenticidade e a precisão histórica, e substituem narrativas baseadas no histórico por “simulacra” do medieval, empregando imagens e narrando histórias que não são originais, nem cópias fiéis de um original, mas sim inteiramente “Neo”. Isso significa que essas novas mídias simulacionais mudarão fundamentalmente a forma como falamos sobre e nos relacionamos com o passado, sem um claro sentido de origem e originalidade, “similitude” e verossimilhança? Não iremos mais, como os primeiros humanistas da Renascença e depois os pensadores do Iluminismo nos admoestaram, tentar tornarmo-nos cada vez mais perfeitos como seres humanos, estudando as histórias originais, a linguagem e as motivações de nossos predecessores? E será que essa mudança em nossa relação com o passado da humanidade contribuirá para o tipo de mundo “pós-humano” ou “transumano” que os escritores de ficção científica e futurólogos vêm contemplando?


Eu estou convencido de que nossos alunos, com seus enfoques curriculares fortemente interdisciplinares, estão particularmente bem preparados para investigar narrativas “medievalistas” e “neomedievalistas”, e Atlanta, Georgia Tech e, particularmente, a LMC fornecem os espaços de laboratório intelectual perfeitos para se fazer isso. Como “criadores críticos” que escrevem e interpretam, constroem e criticam, jogam e criam, eles são capazes de moldar os desenvolvimentos futuros na intersecção de tantas práticas humanísticas, sociológicas e tecnológicas. Em suas vidas e carreiras multimodais, passado, presente e “Neo” serão de igual importância.

[1] "There was a land of Cavaliers and Cotton Fields called the Old South. Here in this pretty world, Gallantry took its last bow. Here was the last ever to be seen of Knights and their Ladies Fair, of Master and of Slave. Look for it only in books, for it is no more than a dream remembered, a Civilization gone with the wind ...."

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